CARLOS JAMIL TAISSUN
1978 - CURSO TÉCNICO DE DESENHO DE COMUNICAÇÃO
 
Acredito que a localização privilegiada que tínhamos, a vista de algumas radiais e de referências tão convincentes da metrópole, já eram argumento suficiente para trazer à mente a sugestão da criação ; de criar a partir de um ponto definitivamente original e persuasivo. Penso que tudo aquilo que víamos lá de cima, dos andares do iadê, trazia também a sensação de uma perspectiva lançada em linhas desafiadoras ... perspectiva que poderíamos interpretar como quiséssemos. Na época, a impressão era a de que sigilosamente cada um de nós havia feito uma promessa de mudar algo naquele mundo tão imediato ; a impressão de que os jovens tinham a obrigação de sentir que poderiam surpreender meios e Instituições, a Sociedade e seus “estabelecimentos” . Fato, realmente havia sim muita coisa que merecia ser reestruturada, como, aliás, parece haver sempre. Era um sentimento que pulsava no sentido de questionar padrões que sustentavam uma estrutura pronta para a ser revista em sua essência, que parecia sujeita a ser criticada, com fé, por meio de um trabalho de percepção ; acho que sentíamos as coisas assim, para que pudéssemos nos adaptar melhor, garantindo com aquela impressão que estávamos seguros e confortáveis dentro de nosso novo tempo. Acho que isto era, inclusive, uma necessidade que tínhamos quando nos reuníamos para discutir o tal mundo. Sempre a busca de melhor adaptação ao quotidiano e seu ferramental, seus acessórios, seus ambientes. Mas, ok ! Digamos : e se não fosse tão fácil ? Então, se não conseguíssemos mudar os costumes, por que não tentar através da estrutura do viver e seus utilitários ? Por que não ? Era algo que podíamos fazer, provocar que algo acontecesse ao exercitar nossa opinião em outros planos, para rever, discutir a construção, desconstruir formas e conceitos para, então, voltar a tratar da transformação mais concretamente. Acho que isto acabava acontecendo através das roupas, dos cabelos, da fotografia, da colagem, das dobras no papel, do texto, do traço, da paixão pela expressão, do desenho de uma cadeira ou luminária diferentes das convencionais, que pudessem ser cúmplices, co-criadoras e colaboradoras daqueles que as utilizassem, ... talvez, a criação trabalhando com o criador. Pois é, cada um de nós fez algo à sua maneira neste sentido ; foi como teve de ser, parece que cada qual sentiu como teve de sentir . E assim, eu também “iadesenhando” meus dias naquelas salas, corredores, lanchonete e, ao observar pessoas, materiais, vestes, painéis e quadros negros.
Quando estávamos terríveis como de costume, gostávamos de “trocar uma idéia, levar um lero” e de propor ; acontecia na maneira de sentar sobre as tais mesas, apoiados nas pranchetas, seguros com suas réguas “T”, expostos no piso que beirava as janelas, junto das vidraças, nas escadas ... Muita coisa para descobrir e, até, para ser mudada. Não necessariamente realizada do início, mas para ser protestada, mudada, adaptada à uma sociedade assim meio “alternativa” - livre, como propôs Raul – mas que andasse nos trilhos, acho que nos Trilhos Urbanos ou, se possível, naquele trem - Trem das Cores – também do fabuloso Caetano. Penso que na realidade o iadê afirmava que isto nós podíamos . Afinal, outros já haviam lutado tanto nos anos 60... Por que não contribuiríamos ? E ainda penso que o iadê deu e pode continuar a dar chance à esta possibilidade de pensar, discutir e resolver questões que habitem linhas tão paralelas, mas de um mesmo plano genial e criativo, como as linhas que transitam entre os conceitos, as impressões do significado de ‘raciocinar design” , e , dos argumentos que sustentam a “subversão” do comum, do óbvio, do tradicional opaco. Hoje penso, tão jovens e tão curiosos que procurávamos traduzir a cidade apenas com o canto do olhar, ( aquela tal perspectiva tão desafiadora ) do topo daquele prédio, e ainda tínhamos certezas ; lindo !! Ora, àquelas janelas voltadas à av. Paulista e à Angélica, eu confidenciava minhas pretensões mais instantâneas de subversivo, tomando emprestado de outros elementos suas formas, cores e atitudes, para, sim, desconstruir / recriar / criticar . Eu os reunia dentro das salas que utilizávamos, na verdade éramos todos nós, ao passarmos diante das tais vidraças que nos serviam de moldura ; estávamos ali, por entre as mesas e colunas das salas, elementos daqueles dias, vivos e até independentes. Desafiadores, alguns - pensativos, todos - e contestadores ; éramos compostos de moças e moços, alunos, alunas, professores e professoras, iguais a todos nós.

E assim eu reordenava aquele cenário nas preguiçosas manhãs, era um revolucionário que gostava de escrever com os olhos, nas aulas ; acho que tinha olhos que eram cúmplices das luzes invasoras das nossas salas, as luzes que refletiam nos edifícios vizinhos, que acabavam convencendo a maioria pela aproximação do peitoril das janelas, aonde meu olhar buscava gravar, sem pedir licença àquelas batas e camisas coloridas, aos gestos das mãos que atrevidamente criariam naquele mesmo dia. Havia padrões, listras, xadrezes e índigo que lembravam algo de um "folk" ; anéis, alguma coisa em lilás, ou um sorriso alheio nos rostos de Rita Holly e de Eliseu, captados através de cabelos tão longos e finos de Renata, do cavanhaque ruivo de Pierre, da distração sem culpa de Cíntia, que sorria, só ria, sem contraste, a grafite, anunciado em A3, no atrevimento de Gustavo.

iadê

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