LEONORA FINK
1981 - CURSO TÉCNICO DE DESENHO DE COMUNICAÇÃO
 
o iadão novembro de 1981

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Pulverácio Tapicuri

No carnaval do ano passado foi para as avenidas com uma fantasia de sapato; grande farrista esse Pulverácio. Pula sem parar e não se cansa, nem sequer pensa em cansaço. Quatro dias que passam como minutas e nem importa se a fantasia está apertada, como era o caso do sapato.
O que realmente interessa é pular, causar sensação. Lógico que no último dia o folião foi obrigado a usar palmilha na fantasia, era muito dura...mas foi coisa rápida, intervalo entre uma e outra escola de samba!
Nos dias normais Pulverácio também é normal. Trabalha normalmente, como todo mundo. É degustador de vatapá em uma fábrica de enlatados. E quem o vê com sua malinha 007 indo pro serviço pensa logo: "Lá vai um executivo cara fechada!" Se soubessem...
Acho que toda pimenta do vatapá fica acumulada para os dias do carnaval, senão, como explicar tanta satisfação? Tanta vontade e energia? Pois neste último Carnaval o homem saiu às ruas fantasiado de presunto. Pulou, pulou, puçou e o inesperado aconteceu. No calor do clima e do samba, quando um caudaloso suor escorria por cada um dos poros de seu corpo, sua fantasia, de presunto, ficou terrivelmente defumada. A avenida inteira ressentia-se com desagradável aroma e ele próprio, dentro da fantasia, estava às vésperas do desmaio.
No clímax do cheiro e do samba, apareceram dois agentes dizendo-se federais, provavelmente federais são agentes especializados em feder, daí o nome...De qualquer maneira, os dois homens tencionaram levar o presunto para fora do desfile, carregando-o pelo braço. Vendo a impossibilidade olfativa do intento, buscaram máscaras de gás e luvas e desdobrando-se em cuidados, levaram-no para longe. Por meio de megafones o presunto conversou com o presidente da Paulistur, ficando acertado que só poderia voltar às ruas depois de devidamente banhado e sem aquela conflitante fantasia.
Pulverácio voltou tristonho para casa, não aceitava a idéia de pular sem fantasia. Remexeu todos os armários da casa e encontrou uma única, a de sapato, usada no ano anterior. Todas as demais estavam corroídas pelas maldosas traças, que as esburacaram de tal maneira que caso vestisse alguma delas seria preso por atentado ao pudor.
Antes de ir tomar seu banho, levou a fantasia para por meia sola, gasta nos dias de folia do outro carnaval. Alguns minutos depois voltava ele, todo cheiroso e pronto a descontar os minutos que aqueles homens lhe fizeram perder. O sapateiro estava dando uma bela engraxada e polida na fantasia: "Oi moço, eu não tinha sola boa deste tamanho e tive que usar uma improvisada, feita com pneu de trator, tem importância?"
Pulverácio ansioso por voltar ao samba, cair na gandaia, falou, um tanto quanto nervoso:
_ Lógico que não...tudo bem. Pode dar a fantasia!
Não perdendo tempo, vestiu-a ali mesmo, na sapataria.
Amarra aqui, amarra ali e pronto! Estava fantasiado e irreconhecível, apto a voltar para a avenida e vingar-se, com sua alegria, de todo o tempo parado por interrupção inoportuna. Pulou como nunca, como jamais pulara em toda sua vida. Os que viram aquele sapato pulando freneticamente no centro da Tiradentes, decerto tiveram orgulho e certeza da brasilidade que todos têm contida no fundo da alma. Pula sapato, pula!
Novamente a torneirinha dos poros de Pulverácio estava aberta. Cada um deles cuspia suor e escarrava alegria; e mais para o meio da madrugada, quando a agitação estava realmente mais gostosa, quando todos pulavam com mais gosto, porque a noite é mais gostosa, vieram dois agentes federais e o expulsaram da avenida!
Sua fantasia de sapato, depois da intensa movimentação e devido à sola vagabunda que o sapateiro foi obrigado a usar por falta de material, ficou com um tremendo chulé...


HQ

Os Hidrocéfalos em "A diarréia"
Texto de Bituim e desenhos por Mauro

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