BOCA1 HQ – 1976 iadê
páginas 16 a 18
Notas sobre estética e quadrinhos - Renato Vieira Filho
A leitura dos quadrinhos é coisa moderna e séria: a importância dessa arte reprodutível foi decidida por uma certa objetividade que se apresenta como verdade-produto da cultura lido por milhões de pessoas. Sobre a questão da reprodutibilidade, W Benjamin, num ensaio clássico, usa o conceito de aura para explicar sua destruição, como se tivesse ocorrido uma ruptura absolutamente objetiva da História da Arte, a reprodutibilidade, posta pelo desenvolvimento capitalista, funciona como uma espécie de razão que subtrai à autenticidade o direito objetivo de ser. Aliás, tentando esclarecer a gênese do autentico, especulando sobre o lugar da obra no culto, vê-se que, metida num processo mágico ou religioso, ela ganhava autenticidade, uma longevidade, uma aura, enfim, assim a aura pode ser considerada como uma necessidade objetiva de aura. O valor de uso da obra, de caráter simbólico, era exatamente este, possuir aura, dispor-se como coisa à mão para um pensamento mágico, para um ritual, servir de mediação. Portanto, o estatuto objetivo da arte de massa não surge de decisão mais ou menos arbitraria de um artista ou grupo social, mas sim, como produto de uma totalidade objetiva, cujo momento econômico tem caráter fundante – daí a congruência teórica da obra com suas condições de possibilidade. O processo de criação faz aparecerem formas que nos possibilitam novas maneiras de ver e sentir a realidade, claro. Mas daí não podemos acatar a dicotomia fácil arte séria/arte de mercado, com a justificativa de que o processo de criação que levasse à frente uma pura pesquisa formal escaparia ao toque contaminador do mercado depositando continuadamente formas novíssimas na memória das sociedades à disposição do uso, da vida do leitor futuro. Cuidar da criação de sintaxes-categorias que forcem o aparecimento de novas realidades, que organizem o sensível de uma forma nova significa afirmar que a realidade é coisa fixa, coisa imóvel, em si, iluminada apenas pela pureza daquilo fabricado para aparece-la. O que não é obra prima participa como momento essencial da configuração ou construção de um determinado contexto estético, que então estará à disposição da crítica implícita à arte reflexiva. O contexto estético configura como realidade especifica que tornará todo ato criador uma espécie de negação, assim é que a vontade de organização formal por parte dos artistas tem o caráter de uma verdadeira intervenção, cuja negatividade existe compulsoriamente pelo fato de existir nesse contexto ou espaço estético desenhado histórica e coletivamente. Assim, atentar somente para a forma ("a forma morde a matéria..."ver O Ardil do Trabalho), pode provocar uma especulação que desconsidera aspectos importantes e essenciais, momentos de sua própria produção; assim como ela é produzida, como é fruída, como se dá o seu aparecer (produção, circulação e consumo), todos esses "modos" que compõem a existência são escamoteados em proveito de um certo espaçamento interior à própria obra, cego às suas condições de possibilidade: é preciso estar atento ao erro que é fincar a analise na obra existente, pronta, abstraída das condições de sua produção, como se ele fosse uma natureza que se prestasse, pacientemente, a ser examinada. A organização do modo de produção de arte de massas participa do movimento geral de maximização do lucro, portanto, além da crítica à arte reitificada, devemos apontar duas coisas importantes: em primeiro lugar, a nova organização técnica possibilita e efetivamente se apresenta como tal, uma estética de massas, cujas características justamente são: a reprodutibilidade e a perda da autenticidade. Em segundo lugar deve-se, o mais possível, criar núcleos organizativos produtores de artes reprodutíveis que se contraponham às formas de produção capitalistas de produção estética. A estética deve incorporar à sua reflexão o problema político que é o problema da produção de arte. A estética da fome (vivificada por quem, há tempos tinha uma câmera atenta na cabeça, e que agora tem fome de estética), ainda vale-luta contra o domínio estrangeiro do mercado, criação de uma imagética nacional, papel barato e arte de muitos para muitos. (RENATO)
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