ENTREVISTA - PROFESSOR EMÍLIO FERNANDÉZ CANO Professor e Diretor do - iadê – instituto de arte e decoração. Data da entrevista: 24 de março de 2005
Introdução Esta conversa com o professor Emílio Fernández Cano, ex-professor e ex-diretor do iadê, ocorreu no dia 24 de março de 2005, o horário marcado era 17h, mas a conversa começou às 18h30 na Associação Espanhola, no bairro do Ipiranga, onde o professor, Don Emílio, como é respeitosamente tratado, leciona espanhol. O professor Emílio é uma pessoa importante na história do iadê, pois começou a trabalhar como professor de desenho, no segundo ano de funcionamento, antes de mudarem para o endereço da avenida Paulista, 2644, esquina com Angélica, também em São Paulo. A conversa foi gravada e transcrita a seguir.
Depois de algumas tentativas para fazer o gravador de voz funcionar:
Leonora: Agora sim, está gravando. Professor Emílio: Ótimo, até que enfim! Diga Leonora: Então, eu gostaria que o senhor falasse do que o senhor lembrar: como começou, como foi a idéia, quando o senhor entrou....
Professor Emílio: Sì, bom...eu entrei no iadê no segundo ano de funcionamento, quando estava em outro endereço, à rua Martinho Prado, 191. Leonora: Não era lá na avenida Paulista? Professor Emílio: Não, não era.
Leonora: Com a Angélica?
Professor Emílio: Não, isso foi bem depois. Eu entrei quando estava já funcionando fazia um año, em 1960. Entrei como professor de desenho, daí desenvolvi aulas de desenho durante três, quatro anos...não lembro bem. Depois passei a dar História da Evolução da Arquitetura. Naquela ocasião, o diretor era Ítalo Bianchi. Aí surgiu a idéia de mudar para a avenida Paulista e fomos para lá. Eu continuei dando aulas de história da arquitetura e pouco depois, o Bianchi, por problemas particulares, se ausentou. Se ausentou de um dia para o outro. Desapareceu, foi para o norte por problemas familiares, então, o pessoal que estava lá decidiu que eu deveria ser o diretor. Aí eu assumi o cargo da direção e a partir daquele momento, eu comecei a pensar em modificar, transformar aquele curso, que era um Curso de Decoração de Interiores, para um curso colegial técnico. Apresentamos o projeto para a secretaria da educação que autorizou o funcionamento do curso em 30 de maio de l.969, é claro que com isso ampliei o número de professores e disciplinas...e começou a funcionar o Curso Colegial Técnico de Desenho de Comunicação, que era esse o título. E...bom, aí funcionou durante vários anos, mas funcionou muito bem. Chegamos a ter mais de mil alunos, ocupando três andares do edifício da avenida Paulista 2644,...hã...chegou um momento em que as coisas começaram a ficar...muito..difíceis. Difíceis por causa do problema do golpe militar no Brasil. E começamos a ser pressionados porque os nossos professores tinham uma filosofia que não se adequava à filosofia dos militares. E a partir desse momento, depois começamos a sofrer - vamos dizer -algumas pressões. Por exemplo, por três vezes telefonaram de que havia uma bomba no colégio. E aí, pois, eu esvaziei o colégio. Todos os alunos pela escada e pelos elevadores correndo para baixo. Telefonamos à polícia e a polícia vinha e não encontrava nada. Aconteceu uma vez, aconteceu outra vez e aconteceu uma terceira vez... É aí que, a partir daquele momento, pois aquele numero de alunos começou a se reduzir...logicamente porque os pais não estavam muito contentes, muito seguros com os fatos que estavam acontecendo. E aí a diminuição grande de alunos provocou uma situação econômica, hã...perigosa, né...ruim...negativa. E aí tivemos que mudar para um terceiro endereço...na avenida Rebouças, onde permanecemos dizimados. Com poucos alunos e professores também reduzidos, pois houve um número, se eu não me engano, de cinco professores que tiveram que sair do Brasil, né. Entre eles, o mais famoso, o Sergio Ferro. E houve também dois professores que foram...os mataram, não é? A repressão os matou...
Leonora: Quem eram?
Professor Emílio: Eu não lembro dos nomes agora....muy infelizmente...
Leonora: Que... eu lembro também de um aluno que foi assassinado.
Professor Emílio: É sim. Foi um desastre. Daí o colégio começou a reduzir o número de alunos cada vez mais, cada vez mais...até que tivemos que fechar. Sim, em grandes traços este é o histórico do iadê.
Leonora: Essa história do Brasil foi bem ruim...foi péssimo, não é?
Professor Emílio: É acabou, acabou que tínhamos um colégio com mais de mil alunos que poderia ser uma contribuição interessantíssima, da qual eu estava orgulhosíssimo. De ensinar de uma maneira aberta, democrática, amplia, universal e humanista, não? E foi atacada de frente e se reduziu a zero praticamente e tive que fechar.
Leonora: Todos os alunos daquela época, hoje no Brasil são pessoas que produzem a cultura brasileira...
Professor Emílio: É sem dúvida há um legado de cultura que está ainda funcionando, mas é uma pena muito grande, porque se aquilo pudesse ter sido mantido por mais anos, até hoje seria um centro importantíssimo, avançado e corajoso. Humanista, crítico, que, pelo que eu saiba não existe no Brasil e tal vez maioria dos países do mundo. Foi uma pena muito grande e merece que se lembre esse momento histórico da educação de São Paulo que foi destruída, não é...miseravelmente.
Leonora: E a filosofia daquela época, como vocês chegaram a organizar? Porque naquela época era difícil.
Professor Emílio: Sim, eu sempre me orientei pela “Institución Libre de Enseñanza”, donde eu estudei na Espanha, que era um colégio que tinha essa filosofia, essa orientação, no começo do século passado. A partir do Krausismo, que é que foi trazida para a Espanha por Sainz Del Rio e Francisco Gjner de los Rios que depois desenvolveram essa filosofia e essa maneira de ensino. É entre elas está a “Residência de Estudiantes” de Madri. Que todavia, está em funcionamento. Donde estiveram personalidades da cultura espanhola e mundial, dos mais relevantes, É essa é filosofia que eu tratei de implantar com la imprescindível orientação, presença e colaboração de nossos professores.. E foi magnificamente bem vitoriosa até o momento em que a ditadura se impôs contra.
Leonora: E com violência...
Professor Emílio: Sim, sim, não havia outro expediente que não fosse a força.
Leonora: Eu já encontrei vários professores.
Professor Emílio: Ah, que bonito! Isso é muito bom.
Leonora: Se eu conseguir marcar uma entrevista em que vão vários professores, o senhor poderia ir?
Professor Emílio: Ah, sim, seria maravilhoso não? Seria muy bonito...
Leonora: Porque um encontro sempre faz lembrar mais coisas, não é?
Professor Emílio: Sim, claro! Claro! Não há dúvida, porque são muitos anos, e eu estou com quase setenta e sete...
Leonora: É, eu vejo que quando encontro meus amigos, numa conversa, quando a gente está junto, se lembra de muito mais coisas.
Professor Emílio: Claro, sem dúvida. Isso faz surgirem dados que a gente não lembra diretamente, mas é alguma referência...já, ah! é aquela, não é? Vai criando toda uma série de referências que ajudam a lembrar.
Leonora: Um ajuda o outro a lembrar...
Professor Emílio: É, é. O que mais me entusiasma é essa coisa que ficou em todos vocês, não é? É esse entusiasmo pelo iadê e incluso o Eddy não? Que está entusiasmado, querendo escrever a história do colégio.
Leonora: Eu acho muito importante para quem estuda poder conhecer.
Professor Emílio: Ao mesmo tempo é uma pena muito grande, não é? Mas pelo menos que se saiba que existui e o que aconteceu, não é? Que se faça a memória daqueles momentos que foram interessantíssimos.
Leonora: E todo mundo que eu encontro está muito feliz. Está todo mundo animado com a recuperação. Tem alunos que estudaram em 72, 73, 74 e ainda têm trabalhos. Eu estou escaneando e vou por no site.
Professor Emílio: O Eddy tem notícia de tudo isto?
Leonora: Eu tento falar com ele, eu vou mandando e-mail. Agora eu vou marcar uma entrevista com ele e vou ver, daí eu chamo o senhor também, vamos ver se a gente consegue reunir todo mundo.
Professor Emílio: Sim, sim. Seria magnífico, não é? Para mim é uma glória. Vou te dizer que, sei lá, na minha idade precisa uma recompensa que parece assim que...
Leonora: Eu acho até que demorou muito para alguém fazer isso...
Professor Emílio: Mas dá a sensação de que a vida não foi vazia, de que a gente fez alguma coisa na vida, não é? Bem, me encanta.
Leonora: Para a gente também foi bom.
Professor Emílio: Sim, sim, claro, lógico.
Leonora: E então eu vou...eu tenho que marcar para daqui a quinze dias, no mínimo, a entrevista. Aí eu me comunico com o senhor, que aí a gente poderia gravar em vídeo a entrevista.
Professor Emílio: Sim, sim, estou dispostíssimo a colaborar com tudo o que seja possível.
Leonora: Eu marquei também com o professor Paulo Ramos Machado. E também com aquela moça que foi secretária...Maria...não lembro! acho que é Maria Emília, ela foi aluna, depois professora e diretora ( com referência a Maria Izabel de Souza Franco).
Professor Emílio: Não recordo.
Leonora: Daí o senhor vai poder acompanhar também, porque a gente vai juntar as coisas, que por enquanto, está cada um com um pedacinho da história.
Professor Emílio: Que maravilha...Sim, claro, que bonito!
Leonora: Então, se o senhor se lembrar de alguma coisa, vá escrevendo. Depois o site vai permitir que as pessoas entrem lá, se cadastrem e o senhor pode escrever e mandar para lá. Vão ser narrativas, porque eu não posso fechar a história, porque eu não tenho ela inteira, não existe um livro em que eu possa me basear, então vão aparecer as narrativas de cada um e a gente vai conhecer a história de todos e postar fotografias também, que tinha um monte de fotógrafos, inclusive eu, que gosto de foto.
Professor Emílio: Como se chamava o professor de fotografia?
Leonora: Tinha vários...Saggese? A gente vai poder relembrar tudo...E, no Senac que eu estudo tem vários professores que foram do iadê. Foi uma feliz coincidência. Fiquei muito feliz de encontrá-los.
Professor Emílio: Ah é? Que bonito...que coisa, não pensava que estava tão vivo o iadê.
Leonora: E na minha classe, que eu entrei agora em 2003 e me formo em 2005, tem um ex-aluno do iadê, ele é artista gráfico. (Paulo Alves de Lima, aluno de Design de Multimídia no Senac e ex-aluno do iadê).
Professor Emílio: Estou contentíssimo, estou muito contente.
Leonora: Então eu volto a entrar em contato com o senhor.
Professor Emílio: Sim, sim, sem dúvida! Sem dúvida.
Leonora: Eu agradeço muito sua colaboração.
Professor Emílio: Eu agradeço o vosso interesse, o vosso desejo, não...de fazer a memória daquele momento cultural que, sem dúvida transcendeu e poderia ter transcendido muitíssimo mais, mas foi interrompida...
Leonora: É o pensamento do governo do Brasil, não é?
Professor Emílio: É, mas isso acontece, agora devemos construir, olhar pra frente, isso faz parte.
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